Independentemente da época, a trajectória de luta contra o racismo e em favor da justiça e da liberdade coloca na mesma página a rainha Njinga Mbandi (Heloisa Jorge), ex-escravizados como Baquaqua (Reinaldo Junior) e Harriet Tubman (Olivia Araujo) e o lutador Muhammad Ali (Babu Santana). Os quatro dão alguns dos 22 depoimentos históricos que o público vai conferir em ‘Falas Negras’, especial idealizado por Manuela Dias e dirigido por Lázaro Ramos que exibe na sexta-feira, dia 27 de Novembro, às 22 horas, no Globo HD. Em entrevista abaixo, Heloisa Jorge fala sobre a experiência de participar do especial na pele de uma das mais emblemáticas personagens da resistência contra o colonialismo português em Angola. Reinaldo Junior, Olivia Araujo e Babu Santana também falam sobre os seus personagens.
Heloisa Jorge é Njinga Mbandi – A rainha do Reino do Ndongo e Matamba, nasceu em Angola e viveu entre 1583 a 1663, e simboliza a resistência africana à colonização e a comercialização de escravos. Foi uma rainha combatente, destemida, chefiou pessoalmente o exército até os 73 anos de idade.
Como foi interpretar Njinga Mbandi?
Foi mágico e desafiador ao mesmo tempo, porque a Rainha Njinga Mbandi é uma referência muito valiosa para a construção da nossa história e identidade em Angola. Quando eu falo da Njinga, me lembro da minha infância no meu país, traz-me a sensação bonita da pertença, lembro com saudade do bairro da Maianga em Luanda, onde eu estudei; dos primeiros livros de história que contavam que a Njinga foi a mulher destemida e astuta que lutou até quase os 72 anos de idade contra a coroa portuguesa. A Njinga é um dos mais importantes símbolos nacionais que nós temos lá. Essa mulher lutou muito para defender o reino do Ndongo e da Matamba, comandou um exército naquele tempo, uma estratega nata que negociava em pé de igualdade com os portugueses. Foi muito emocionante dizer as palavras que ela mesma escreveu na carta para o governador português da época, senti-me orgulhosa por ser filha daquele país e muito feliz em poder honrar o lugar de onde eu vim partilhando um pouco do que a Rainha Njinga representa não só para Angola, mas para todo o continente africano.
Acredita que o programa vai tocar o telespectador?
Espero que a partir dos relatos históricos as pessoas se interessem em reflectir sobre o Brasil e o mundo que nós temos hoje. Acredito que será mais uma óptima oportunidade para se abrir a escuta e conhecer um pouco mais sobre a nossa história.
Olivia Araujo é Harriet Tubman – Ex-escrava, tem data de nascimento imprecisa, tida como 1820 ou 22, e viveu até 1913. Ela alistou-se como cozinheira e enfermeira durante a Guerra Civil Americana para espionar e captar informações, e ali ajudou na fuga de centenas de escravos dos territórios dominados das fazendas do sul dos Estados Unidos rumo ao norte do país, onde não havia escravidão, e ao Canadá.
Como foi viver Harriet Tubman?
Fiquei muito feliz e emocionada de ser a voz dela. Uma história linda dessa mulher que pensou e fez pelo colectivo, libertou pelo menos 300 pessoas escravizadas, foi enfermeira, foi para a frente de batalha e participou do movimento feminista. Uma mulher incrível que merece ser reconhecida e respeitada.
O que o 20 de Novembro significa para si?
Essa data marca o reconhecimento por todos os que fizeram o caminho da liberdade, da humanização, e resgate da dignidade do povo negro. Lembra daqueles que se mantiveram vivos mesmo com toda a adversidade e crueldade para que hoje nós possamos estar aqui e seguir em frente com muito mais possibilidades.
Reinaldo Junior é Mahommah G. Baquaqua – Ex-escravizo, viveu entre 1820 e 1857, nasceu na África Ocidental, no actual Benin, veio em um navio negreiro que atracou em Pernambuco. Mas o trabalho em um navio mercantil, que o levou para Nova York, mudou a sua vida completamente. Naquela época, os estados do Norte dos Estados Unidos já tinham abolido a escravidão, e Baquaqua conseguiu fugir. Em Detroit, publicou a sua biografia, que é um dos poucos registos da época contados nas palavras de um negro escravo no Brasil, e que descreve em detalhes os hediondos castigos cometidos contra os escravizados no país.
Você se emocionou ao interpretar Baquaqua?
Ele nos deixa um legado de levante e rebeldia através da sua inteligência e a não aceitação da condição imposta como “escravo”. Impossível não se emocionar com um sentimento que nos atravessa há pelo menos 300 anos, que é o sentimento de “eu prefiro morrer do que viver como escravo”. Acredito que seja o grito engasgado da maioria de pretos trabalhadores que vivem em condições subalternas.
Qual o maior mérito do especial para você?
O de termos 22 vozes e relatos históricos, reais, para milhões de brasileiros que se reconhecem nesses corpos, falas e vivências! Identificação directa!
Babu Santana é Muhammad Ali – Maior pugilista da História, eleito “O Desportista do Século”, nasceu nos Estados Unidos, viveu entre 1942 a 2016. Ali nasceu Cassius Clay e a vitória no pugilismo veio junto com a sua conversão ao islão e a mudança de nome. Ele passaria então a se chamar Muhammad Ali. Convocado, recusou-se a ir à guerra do Vietnam e desafiou o governo americano. A atitude rendeu a cassação de seu título de pesos pesados e o deixou por três anos longe dos ringues até que a Suprema Corte decidisse a seu favor.
Como foi viver Muhammad Ali?
Foi demais porque Muhammad é um exemplo, ícone, ídolo a ser seguido. Quando eu era mais jovem, sonhava me tornar lutador e ele era um dos maiores lutadores do mundo. Quando o vi falar, foi a primeira vez que eu vi um lutador falar daquele jeito. Eu emocionei-me pelas condições em que ele se encontrava, as condições da luta dele foram muito traumáticas.
Idealizado e organizado por Manuela Dias, ‘Falas Negras’ é dirigido por Lázaro Ramos, conta com Thaís Fragozo na pesquisa e Aline Maia como consultora e pesquisadora. Integram o elenco do especial Fabricio Boliveira, Babu Santana, Guilherme Silva, Ivy Souza, Naruna Costa, Tais Araujo, Heloisa Jorge, Barbara Reis, Mariana Nunes, Izak Dahora, Silvio Guindane, Olivia Araujo, Reinaldo Junior, Aline Deluna, Flávio Bauraqui, Bukassa, Angelo Flavio, Samuel Melo, Aílton Graça, Tulanih Pereira, Valdineia Soriano e Tatiana Tibúrcio.
Foto: Globo / Victor Pollak